terça-feira, 11 de março de 2008

Herói


A casa, tão acolhedora como os braços maternos, fica a quilômetros daqui. Quase quatro horas de estrada. Última cidade de São Paulo, divisa com Minas Gerais. Uma estrada, que até pouco tempo era de barro, leva a uma porteira verde. Do alto de uma árvore, a placa, escrita com tinta guache, diz assim: "Sítio Santa Luzia".

A casa parece vazia. Cheiro de terra, ar puro, costumes do interior. Tudo parece igual. Os móveis, a disposição dos vasos, na varanda do quarto. O radinho de pilha na mesa lá fora. A Brasília branca, tantas histórias escondidas por trás da velha pintura. Andamos pelo sítio, procurando algo novo. É época de jabuticaba. O pé está abarrotado. Quando era pequena, subia no pé, para alcançar as maiores. Fazia da camiseta uma cesta. Disputava com o Gui, para ver quem apanhava mais.

As férias eram sempre ali. Durante anos, sempre que chegava o mês de junho, ele esperava ansioso. Não havia telefone no sítio. Mas ele sabia que os netos chegariam. Era questão de dias. E, quando chegavam, ele se levantava com euforia. Longos abraços. E a queixa de sempre: "Por que demoraram tanto?". Os olhos marejavam. E neles, enxergava histórias de quem viveu uma vida inteira e de quem sabe coisas que eu não vou aprender nem em mil anos.

Talvez a gente nunca tenha dito. Mas ele era o super-herói de nossas vidas, aquele que não existia nem na melhor história em quadrinhos.

Todo mundo tem um herói. Ou pelo menos sonha que tem. Aquele, de pernas finas e cigarro de palha na mão, calejada pela labuta, era o nosso. Um herói às avessas. Um herói "malandro", que gostava de contar histórias fantasiosas. Como aquela do cachorro Bob, que comprava lingüiça no açougue e trazia a sacola com o troco entre os dentes, sem deixar ninguém se aproximar enquanto percorria o caminho de volta para casa.

Aquele herói que saiu de casa aos 14 anos, fugindo da estupidez de seu pai carcamano. Na cidade grande virou gente. Passou frio, teve medo. Trabalhou duro como faxineiro, engraxate, garçom.

Aos vinte anos, descobriu o amor nos olhos tímidos da bela Iolanda. Casaram-se. Tiveram quatro filhos. E, antes de se tornar um homem magrinho, de cabelos grisalhos e pele enrugada, ele era chamado de "boi". Corpulento, era forte, determinado, destemido. Trabalhava sem descanso, para suprir as necessidades da família.

Foi morar perto dos irmãos, que reencontrou em São Paulo, muitos anos depois de abandonar a cidadezinha onde nasceu. Construiu uma bela casa. Assentou tijolo por tijolo para colocar em pé o projeto mais importante de sua vida. Ele não era pedreiro, nem engenheiro, nem arquiteto. Costumo dizer que ele era artesão, tinha o dom de construir coisas belas e eternas.

Apesar de ser mal alfabetizado (tinha apenas o diploma do primário), passou de faxineiro a gerente de produção, em poucos anos, na empresa multinacional que fabricava peças para automóveis.

Quando conquistou o "cargo importante", ganhou a amizade do diretor da empresa. Circulava livremente entre salas do grande edifício. E, numa ocasião, ouviu o barulho de um avião. "A luneta estava posicionada e eu trouxe o avião aqui", dizia, puxando a mão para o peito. "Então, vendo aquele 'monstrão' perto de mim, pude ler o prefixo: R-X-K-S-T12".
Em 1985, quando ele se aposentou e os filhos não mais dependiam de seu suor, mudaram para Mococa, cidade natal do casal.

Nessa época não havia bancos na cidade. Ele teve de ir até São José do Rio Pardo, onde abriria uma conta para receber a aposentadoria. Quando voltou da cidade vizinha, descreveu aquele chato e burocrático procedimento como um grande acontecimento. "Eu cheguei e fui logo recebido por uma moça bonita e muito educada. Ela me chamou pelo nome, parecia até que já me esperava. As moças vestiam cor-de-rosa, e a mesa delas era no mesmo tom da roupa. Os rapazes usavam camisa azul-bebê. A mesa deles era da mesma cor. E todos eles tinham uma pulseira de ouro 18 quilates. Quando eu me aproximei, li a frase: 'Banespa vos oferece o melhor serviço do Brasil'. Lugar de primeiro mundo, mesmo. Dá até gosto em ser aposentado".Ninguém ousava dar risada quando ele viajava nas histórias. E ali, naquela terra abençoada, ele se sentia como um rei. Viu os netos nascerem e crescerem.

Com o tempo, percebi que ele não tinha mais a mesma disposição, mas continuava sendo o nosso herói.

Quando o vi pela última vez, sem saber que aquele seria o último abraço, ele me ensinou uma lição sobre o tempo. Ele me colocou no colo. Talvez quisesse ainda me sentar em seus ombros e caminhar pelo sítio, como fazia antigamente. Sentado na cadeira de balanço, apontou a terra, se perdendo além do alcance dos olhos. "Você vai crescer e vai ser bem grande na vida. Você vai ter uma família bonita, grande como a minha. Você vai conhecer o mundo. E vai ser muito rica, filha, tanto quanto eu sou. Mas nunca esqueça da sua terra, do seu chão. Nunca esqueça das pessoas e dos frutos que plantar. São eles que vão te alimentar quando você não puder mais produzir novos grãos".

O meu herói voou para longe e deixou a casa vazia.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Concerto de asfalto


O palco é o metrô Consolação. O Maestro é um transeunte vestido de calça de moletom, blusa de lã colorida e um chinelo preto. Com o vento batendo nos cabelos grisalhos, ele se agacha e finge comandar o dueto. Na verdade, é tudo brincadeira. O “maestro” ali não passa de um espectador.

A trilha sonora é “Por una Cabeza”, de Carlos Gardel. Um tango dançado por Al Pacino no filme “Perfume de Mulher”. De olhos fechados, a música transporta para lugares imaginários onde o tango é mais alto que o barulho do trânsito e o ar é mais leve que a fumaça dos carros. Olhos fechados... Pacino faz um cego no filme, que sente a beleza da música mais intensamente que a sua parceira, por percepção adquirida ao longo de sua vida sem imagens reais. Voltemos ao metrô Consolação. A música é produzida por um dueto que se mistura à paisagem. E quem passa por ele nem sempre pode olhar. A vida apressada não deixa. Mas o corpo e a mente sentem a música, mesmo com a percepção reduzida que traz a rotina.

O Dueto Catarse é formado por Messias e Júnior, juntos há apenas três meses. Messias na viola de corda (ou violino tenor) e Júnior no violino. “A viola é mais gordinha, como tudo que eu gosto na vida. Faz esse som mais gostoso...” explica Messias.

O nome do dueto surgiu de uma aula de história da arte musical que Júnior assistiu. Ele explica que a catarse é o que faz sair do mundo real para algo melhor. E é isso o que querem fazer com a música: transportar as pessoas da Avenida Paulista para dentro de seus acordes.

Messias percorreu um longo caminho antes de tocar no metrô. Morava em São José do Rio Preto, no interior do estado, e aprendeu a tocar com um amigo da igreja. Depois de um tempo já podia ler as claves, “aqueles desenhos, sabe?”, e começou a tocar para o público. O amigo-professor aconselhou que Messias partisse para São Paulo, “onde surgiriam as oportunidades”. O músico não recuou ao desafio e se orgulha das vezes que se apresentou em Guarulhos, no teatro São Pedro e na sala São Paulo.

“Então passei por umas tempestades”. Casou-se aos 19 anos, quando teve sua primeira mulher. “Era muito moleque, não deu certo. Aí entrei em depressão”. Voltou para os braços da família, no interior de São Paulo. Não queria mais nada da vida. “Mas passou. Eu tinha que amadurecer uma hora.”

No entanto, o som na rua não é unanimidade. Existem também aqueles que não gostam e passam por eles torcendo o nariz. “Eu acho que não existe lugar apropriado para tocar. Cada um faz a sua música onde quiser”, diz Messias.

Quer dizer, mais ou menos onde quiser. Tocar dentro do metrô é proibido, mas quando chove não dá para tocar na rua. Logo aparece o metroviário pedindo para o Dueto sair. “É o trabalho dele, temos que sair. Respeitamos a lei, respeitamos o trabalhador que cumpre ordens, mas eles não respeitam a gente”. Um casal oriental lamenta o fim do espetáculo e coloca algumas moedas no case da gordinha. Hoje o trabalho foi pouco, não deu pra chegar nem perto dos setenta reais que Messias e Júnior conseguem diariamente.

Logo, os ouvintes voltam a ser transeuntes e se perdem no meio das pessoas que passam. O ruído dos automóveis aumenta e a trilha sonora volta a ser o mero burburinho.
(Fernanda Barbosa, S.Paulo)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Como fica o amor nos tempos do (a) cólera?


O filme “O amor nos tempos do cólera” é a prova de que até a história mais piegas pode ser transformada no sentimento mais tocante nas mãos de um grande escritor ou de um grande diretor. Existe algo mais clichê do que falar de amor?

Adaptação de livro homônimo de Gabriel Garcia Marques, “Amor nos tempos do cólera” mistura o tom soturno e instigante de “Cem anos de solidão” com a eterna esperança de um Peten Pan. Esperança de quem sabe que vai ser criança para sempre, mas será a única criança eterna. Esperança de quem sabe que vai amar para sempre, mas que pode ser o único a sentir o amor eterno. E talvez não correspondido.

Personagens perdidamente apaixonados, mas impossibilitados de amar. Um romance impossível para nenhum “Romeu e Julieta” botar defeito. Tudo começa quando um jovem que trabalha no telégrafo, Florentino, se apaixona por uma moça – Firmina - filha de um vendedor de mulas que acabou de se mudar para a cidade, em Cartagena, na Espanha. O amor nasce à primeira vista, e os dois começam a trocar cartas proibidas cheias de poesia. Não vou estragar o desenrolar da trama com mais informações. É uma obra que merece ser vista, ou lida, e apreciada.

Florentino sofre de amor. O sentimento puro que arranca mais pedaços do que a guerra ou a epidemia de cólera que tanto matavam no mundo real. O tempo passa, as conjunturas se modificam, mas o amor permanece. E machuca.
O diretor Mike Newell leva a trama com maestria do início ao fim. Talvez pela vontade acumulada ao longo dos três anos que ele precisou até que Gabriel García Marques autorizasse a filmagem da história...

Por meio do sofrimento, o protagonista Florentino consegue mostrar a essência do amor. Do amor transcendental, que passa por todas as fases dentro da carne e fora dela. O amor que dói, que mata, que alegra, que ilude, que titubeia e, principalmente, que não tem fim. Ao mesmo tempo, o amor é humano e se esconde atrás das imperfeições do ser. E sem clichês ou pieguice.

Pena que a filmagem em inglês tire um pouco da intensidade da trama. Afinal, a história se passa em Cartagena e os diálogos naturais seriam em espanhol, o idioma da paixão e de García Marques.

Bom, em inglês, espanhol ou português, o nosso atual tempo repleto de cólera (sentimento) tem matado os bons momentos mais até que o cólera dos tempos do filme. E o amor, sobreviverá?
(Fernanda Barbosa, São Paulo)

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Um andar passageiro


A moça de meia-idade não olha para os lados quando entra alguém no elevador. No seu elevador.
"Qual o andar?", repete em intervalos não programados. O questionamento me recorda certa ocasião, em que perguntei qual era o andar de um amigo a um porteiro e o sujeito, impetuoso, levantou com riso frouxo no queixo, prestes a estourar, e pôs-se a imitar atabalhoadamente alguns passos do inquilino. Mas esse é outro caso. O de hoje é da ascensorista de cabelos presos que faz palavras-cruzadas de pé. Trabalha em um shopping de Curitiba - talvez o mais badalado deles - há sete meses. "Canso de ficar sentada," diz Selmira, sem erguer a cabeça. Apesar da negativa inicial, tem um sorriso quase fixo no rosto e alerta com vibração o andar tão desejado: "G3!".
Sete ou oito pessoas acotovelam-se educadamente até encontrarem o lugar perfeito para permanecer os próximos 30 segundos. Nenhum, no entanto, invade a privacidade e nem sequer chega perto da cadeira da mulher que já subiu e desceu tantas vezes na vida. O objeto, de couro e com hastes enferrujadas é giratório, ironicamente. Em metade das paredes do elevador há espelhos indiscretos. Na outra metade, nada, ou tímidos anúncios publicitários. Quando sozinha, giraria a cadeira? Não, há câmeras, não poderia fazer isso. Ao lado de seus pés, uma sacolinha de mercado amarela com o kit-elevador: comidas – besteirinhas, como bolachas e guloseimas – remédios genéricos, papel higiênico e livros de auto-ajuda.
A vida se passa ali, naquele sobe-desce perpétuo. Do L4 ao G3, por entre uma palavra mais difícil a ser descoberta, que inclusive precisou daquela olhadela marota no final da revistinha. Os agradecimentos não são muitos, apesar de todos os andares serem expelidos como se fossem o fim de uma missão por ela liderada. É nesse momento que sua cabeça volta à posição normal, mirando a revista apoiada no colo, colocando a caneta Bic em posição de ataque e se despedindo de cada um com o canto dos olhos.

(CRIS CASTILHO, de Curitiba)

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Herói desprezado

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Ele tem aquele jeitão sereno caipira e lida esforçada de trabalhador do campo. Tá, tem sangue frio também de jagunço matador, e é isso que poderá salvar seu Corinthians da degola. E, melhor que isso, diferente de alguns companheiros cheios de marra e provocações, o cara tem olhos e palavras de bom caráter. Finazzi fez quatro gols nos últimos 3 jogos do time. Três deles garantiram pontinhos salvadores. Só que o cabra, mesmo fazendo gols quando a casa já tinha caído, não é querido pela Fiel. Hora de repensar quem vocês devem animar e apoiar, alvinegros. Porque hoje, tanto quanto o goleiro Felipe e seus milagres, é o artilheiro com cara de pistoleiro e amigo de fé salvador que vocês devem reverenciar. Que papelão, Fiel, até os frios jornalistas da gelada Folha de S.Paulo de hoje perceberam o tamanho da ingratidão.
Deu assim na Folha: “Grosso, lento, símbolo do time corintiano considerado por muitos dirigentes do clube como o pior da história. Mas decisivo. Nas últimas rodadas, Finazzi, 34, tem sido o herói de uma equipe limitada tecnicamente que tenta, a duras penas, escapar do rebaixamento...

O atacante passou a partida toda disputando bolas com os zagueiros rivais. Passou os 90 minutos sem ter uma chance sequer. Só aos 47min, de carrinho, ele conseguiu finalizar.
Foi comemorar no banco de reservas, com o técnico Nelsinho. Enquanto abraçava os companheiros, a torcida gritava enlouquecida. Mas não o nome dele. Isso não aconteceu no Pacaembu lotado ontem.

Pouco antes, quando o goleiro Felipe foi à área e quase marcou de cabeça, ele foi ovacionado pelos corintianos nas arquibancadas e nas numeradas...”
Fica esperto, Corinthians, tá na hora de lustrarem a estrela dourada da botina de seu único matador. Ou vocês acham que o Lulinha, aquele que mascarou e amarelou no Pan (uhn, amarelar no Pan é dose...), ou o Dentinho vão decidir? Ou o Vampeta?

Nesse futebol tão cheio de falsas estrelas, mercenários e chinelinhos (estas 3 categorias costumam vir num pacote só...), a corinthianada devia é venerar esse herói sangue bom, verdadeiro caixeiro viajante da bola, Finazzi. Um cara que roda o Brasil todo (*) e vai parar no Parque São Jorge, aos 34 anos, pra salvar o time do rebaixamento, merecia no mínimo uma estátua na Fazendinha. Símbolo de um time medíocre? Não, mais herói ainda por isso mesmo, porque fazer um gol atrás do outro tendo como assistentes um bando de pernas de pau aumenta ainda mais o valor do grande Finazzi. Põe ele nos ombros, Fiel! E escutem no player que coloquei lá em cima o hino desse grande romeiro!

(*) Carreira de um matador
2007 – S.C.
Corinthians - São Paulo (SP)
2007 - Ponte Preta - Campinas (SP)
2006 - Fortaleza - Fortaleza (CE)
2005 - Atlético Paranaense - Curitiba (PR)
2005 - Paulista de Jundiaí - Jundiaí
2005 - América F.C - S.J.Rio Preto (SP)
2004 - Santa Cruz - Recife (PE) - 10 Jogos/10Gols
2004 - A.B.C - Natal (RN) - 02 Jogos/02 Gols
2003 - Omya Ardijha (Japão) - 11 Gols
2003 - Fortaleza E.C - Fortaleza (CE) - 05 Gols
2002 - Fortaleza E.C - Fortaleza (CE) - 13 Gols
2002 - Goiás E.C - Goiânia (GO) - 09 Gols
2002 - Fortaleza E.C - Fortaleza (CE) - 14 Gols
2001 - Goiânia E.C - Goiânia (GO) - 18 Gols
2001 - Fortaleza E.C - Fortaleza (CE) - 11 Gols
2000 - Sochaux (França) - 07 Gols
2000 - Goiânia E.C - Goiânia (GO) - 11 Gols
1999 - S.E. Gama - Brasilia (DF) - 06 Jogos/03 Gols
1999 - Goiânia E.C - Goiânia (GO) - 27 Jogos/17 Gols
1998 - Novo Hamburgo - Novo Hamburgo (RS) - 09 Jogos/07 Gols
1996/97 - São Paulo F.C - São Paulo (SP) - 05 Jogos/08 Gols
1993/95 - Cursando Faculdade de Engenharia
1991/92 - Guarani F.C - Campinas (SP)
1991 - Palmeiras F.C - São João da Boa Vista(SP) - 05 Jogos/05 Gols

(**) Dados do site
http://www.futebolinterior.com.br (isso mesmo, é o site do nosso grande Élcio, o homem das rosas de Campinas e grande apaixonado pelo futebol!)

domingo, 4 de novembro de 2007

O verdadeiro amor é todo dia

















Futebol americano. Quando famosos e arrogantes astros abandonam o time em busca de "merecidos" salários milionários, é a vez dos substitutos entrarem em campo. Porque o grande campeonato da vida não pode parar.
Os novos jogadores chegam desacreditados, desvalorizados. O desafio é constante. Só os melhores podem vencer. Eles são talentosos. Jogadores amadores. Da vida.
Belos guerreiros se entregam ao sonho. União, garra e vontade impulsionam. A equipe se consolida, se fortalece no mesmo ideal. Time feito com o pulsar de um só coração. Luta, obstinação. Verdadeiras lições de vida. Intensa e poderosa como a mais bela jogada do futebol-arte que resiste ao tempo da superficialidade, descrença e incompreensão. [sobre o filme Virando o jogo, com Keanu Reeves, 2001].

Numa sala de aula, nossos professores-heróis são os grandes responsáveis pela vitória do time, composto de pequenas, mas brilhantes estrelas. Eles apontam o caminho. Mostram que é possível vencer. São eles que começam a construção da estrada de nossas vidas.
Algumas aulas são difíceis de acompanhar. É preciso percepção, atenção. As aulas parecem cenas de teatro. O professor-artista, no palco e na vida, interpreta, canta, recita versos. Emociona, se emociona. Mas, poucos conseguem alcançar, se deixar envolver. Poucos compreendem as jogadas feitas com o coração.
O professor acredita, se entrega... Dá aulas para ninguém. O futebol-arte perde a força. As palavras se tornam um pranto, que ecoa, sem ninguém prestar atenção.
"Jovens, não vou pedir para me ouvirem. Não vou pedir que façam os exercícios, ou leiam os livros que vão cair no vestibular. Não vou pedir que estudem. Nem vou pedir que alguém me respeite. Vai de cada um... E, quando digo que não sou professor, quero dizer que ensinar é uma ilusão. Os senhores nunca aprenderão nada, se não estiverem dispostos. Os senhores serão apenas o que quiserem ser" (Valfrides, o professor-artista, no dia em que os alunos fizeram piquenique no fundo da sala, no colégio Liceu Santa Cruz, 2001).
[POR THAÍNA PARMA]

Fusca


















O carro mais vendido de todos os tempos. O primeiro carro popular, talvez o único (bem diferente dos caros veículos 1.0 de hoje). O carro mais simpático e amado da história, quase um ser vivo para seus donos.
Quem nunca teve um talvez não entenda a saudade que nos dá quando vemos um por aí e lembramos da bravura e resistência do bicho. Porque um fusca raramente nos deixava na mão.

Os motivos da paixão transcendem o pouco conforto, tecnologia obsoleta, motor mais poluente e a baixa velocidade alcançada por ele (em comparação aos carros evoluídos). Deve ter algo a ver com suas formas arredondadas – os “quilinhos a mais” de um típico gordão simpático - e com aquele capô sorridente de amigão bochechudo sempre no maior astral.
Nenhum outro carro teve tão claramente um rosto humano no capô. Por isso aquele desenho animado, do fusca Wilie - que buzinava quando estava feliz e precisava enfrentar um bando de motocas invejosas – nos cativava tanto. E dá para esquecer o inesquecível Herbie dos cinemas, o 007 dos fusquinhas?
E o que dizer daquela direção grande e levantada, com jeito de buzão? E aquela caçamba depois do banco de trás que fazia caber o impossível: mais gente! E aquele tradicionalíssimo modelo de cor vinho?
O fusca sempre foi tão mágico que conseguiu ser o único ato digno do facínora Adolf Hitler. Ele encomendou um carro popular (para 4 pessoas, veloz e com preço accessível) para o brilhante projetista austríaco, Ferdinand Porsche, em 1933. O protótipo ficou pronto em 1935 e logo foi um sucesso. Nasceu assim o primeiro fusca, o Volkswagen (nome alemão para “carro do povo”).
Em 1959 o fusca começou a ser produzido por aqui nos anos JK e apaixonou o Brasil.
A evolução tecnológica (e o objetivo da Volkswagen de abrir espaço para o Gol) sabotariam o amado fusquinha de motor 1300 cc e seu irmão caçula valentão, o fuscão de 1500 ou 1600 cc. Em 1986 o carro pára de ser produzido no Brasil e logo no mundo todo (só durou mais no México). Assim tentaram matar o mais humano dos carros que sobrevive, no entanto, em cada garagem que bate um coração saudosista e talvez mais carinhoso, em relação a quem só espera desempenho (e paga caro por isso). Pobre mundo ultra-moderno...

* O fusca teve uma sobrevida no Brasil ao ser produzido de novo entre 1993 e 96 por ordem do presidente Itamar Franco, apaixonado por ele e pela ex-namorada e melhor amiga, Lisle Lucena, que tinha um fusquinha verde que ela amava e não vendia de jeito nenhum.

* A canção “Fuscão Preto”, de Almir Rogério, foi um dos maiores sucessos populares no Brasil e inspirou o filme de mesmo nome, com Xuxa no elenco.


* Texto publicado na revista Venice, na seção Clássicos. Só que lá não tinha esse clip irado que coloco abaixo do desenho do fusquinha Wilie, sensacional!
(ZÉ AUGUSTO DE AGUIAR)